O Brasil é um país cujas tradições católicas romanas
são bastante enraizadas na cultura do povo. Os evangélicos, aqui, têm sua
maioria oriunda dessa igreja. Por falta de discipulado correto e constante, da
má formação teológica dos pastores pentecostais e neopentecostais, as igrejas
evangélicas acabam reprisando velhos costumes da velha igreja. Alguns evangélicos,
mesmo depois de batizados na nova fé, continuam nas velhas tradições. Na
esteira dessa realidade, como devem se comportar os cristãos nascidos de novo
ante tais costumes? Alguns se utilizam até de textos bíblicos para justificar
tais atitudes.
Cinzas, Quaresma, Paixão, Lava-Pés
O professor de teologia católica Aquino
(2020) explica, em detalhes, a origem e significado da quarta-feira de cinzas.
Na quarta-feira após o carnaval, “no final da
Missa, abençoa-se e impõe-se as cinzas obtidas da queima dos ramos usados no
Domingo de Ramos do ano anterior.” Rasgar as vestes e se lambuzar de cinzas também é um ritual do Antigo Testamento
que os hebreus faziam quando queriam demonstrar profunda tristeza e
arrependimento. (Gn 37.34; 2Sm 3.31; Et 4.1; Is 37.1; Jn 3.5-7) Esse ritual das
cinzas na igreja romana surgiu, segundo Aquino (2020), junto com a Quaresma,
por volta do ano 400 d.C.
É um tempo de 40 dias que começa contar a
partir da quarta-feira (“de cinzas”) após o carnaval. Essa prática católica romana
tem sua justificativa no Antigo Testamento. Usa-se como pano de fundo a simbologia
dos vários períodos de 40 dias presentes nas narrativas da velha aliança. O
portal católico da Canção Nova faz essa analogia e cita Joel 12.12,13 que fala
da necessidade do povo hebreu “rasgar o coração e não as vestes”, ou seja, Deus
exortando seu povo de que sacrifícios repetitivos, feitos por obrigação
desassociados de verdadeira contrição, ou seja, sem abandono do pecado de nada
valia. (vide Is 1.1-10)
Assim, Quarema
é o período de 40 dias em que os católicos devotos devem viver uma vida de
desprendimentos, de restrição alimentar, jejuns, vida consagrada etc, o qual
findará na “quinta-feira santa”. A sexta-feira “santa” ou “da paixão” é o
grande dia de tristeza, de silêncio. É o dia da morte do Cristo. Normalmente, a
igreja católica orienta o povo a não comer carne vermelha no período da Quaresma até a sexta-feira santa. Nessa quarentena,
o consumo de peixe é maior. É, segundo se pensa, respeito ao sangue de Jesus
derramado na paixão. Paixão, aqui, é em seu sentido
primário, isto é, “sofrimento”. Na sexta-feira
da paixão ocorre a missa do “lava-pés”, com base na cena da última Ceia,
relatada no Evangelho de João (Jo 13). Aquino (2020) fala sobre a origem e
significado da Quaresma:
A Quaresma foi inspirada no período de
tentação de Jesus Cristo no deserto, bem como os exemplos de Noé, em 40 dias na
Arca, e Moisés, vagando por 40 anos no deserto do Sinai. O historiador Sócrates
informa que já no século V, a Quaresma durava seis semanas em Roma, sendo três
semanas dedicadas ao jejum: a primeira, a quarta e a sexta. Já no século IV a
“Peregrinação de Etéria” fala de um jejum de oito semanas praticado pela
comunidade de Jerusalém, excluídos os sábados e domingos; o que totaliza os 40
dias de jejum. No tempo de São Gregório Magno (590-604), Roma observava os 40
dias da Quaresma. (AQUINO, 2020)
Sábado
de aleluia
Logo após a sexta-feira da paixão (morte de
Cristo), vem o sábado de aleluia. O Portal católico Nossa Família explica o significado desse dia:
O Sábado
de Aleluia ou Sábado Santo é o dia anterior à Páscoa no cristianismo sendo
considerado o último dia da semana santa. Outra nomenclatura conhecida
do Sábado de Aleluia, é o
"Sábado Negro", remetendo ao luto da morte de Cristo. (Nossa
Família, s/d)
Domingo de Páscoa
A páscoa foi criada, ainda no Egito, por
ordem de Deus (Ex 12). Era uma festividade que os hebreus deveriam celebrar com
cordeiro, pão asmo e erva amarga. Esses símbolos todos, incluindo o sangue do
cordeiro, eram tipos (sombra) da realidade maior que ainda viria, isto é, o
próprio Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, sacrificado uma única vez
pelos pecados de muitos. (Jr 31.31-35; Lc 22.20; Jo 1.29; Hb 9.28) Com a morte
de Cristo, portanto, todas as cerimônias judaicas estavam encerradas e, agora,
não a Igreja não pode mais realizar tais cerimônias sob pena de ter de cumprir
toda a lei de Moisés, inclusive sacrificar animais de novo. (Gl 3.10-13; Cl 2.13-16)
Algumas dessas cerimônias judaicas foram
transformadas para se adaptar à Igreja. Entre elas está a páscoa que foi
transformada na Ceia do Senhor, realizada, agora, com novo sentido e apenas com
pão e vinho (ou suco de uva), 1Co 11.17-33. Portanto, o cristão não pode
atribuir a um ovo de chocolate o nome de páscoa, nem comemora páscoa anual. Sua
páscoa, agora, é o próprio Cristo como bem lembrou Paulo: “Cristo, nossa páscoa.”
(1Co 5.7)
É claro que o cristão não está sujeito a
nenhuma maldição de quem quer que seja (Rm 8.1). Não é um chocolate em formato
de ovo criado na França, com fins comerciais, que vai alterar a fé do cristão
verdadeiramente nascido de novo. Logo, o cristão que resolver, por consciência
própria comer um ovo de chocolate, que o faça assim como o faz como qualquer
outro alimento, sem fazer qualquer conotação com a Páscoa cristã, ou em dia
determinado por costumes da tradição humana, pois o Corpo de Cristo não pode
ser assemelhado àquilo que o Novo Testamento não autoriza. Nossas crianças
devem ser discipuladas pela igreja e pelos pais, a fim de que cresçam sabendo
distinguir a páscoa cristã de um mero produto comercial, desvinculando
claramente dos elementos de fé genuína. (1Co 6.12,13)
Assim, torna-se ilógico comemorar domingo de
páscoa, pois o cristão não pode mais comemorar a páscoa judaica (já eliminada
por Jesus), nem atribuir o nome de páscoa a elementos pagãos ou comerciais,
visto que sua páscoa é a Ceia do Senhor. Além disso, pela sequência dos fatos
históricos, a Páscoa teria ocorrido na quinta-feira, o dia em que Jesus
celebrou a última Ceia, ou seja, deu fim à pascoa judaica e instituiu a páscoa
cristã. (Mt 26.17-30; Mc 14.12-26; Lc 22.7-39; Jo 13.1; 17.26; 1Co 11.23-26).
Considerações
finais
Uma das maiores lutas de Paulo foi desjudaizar e despaganizar a mente dos cristãos primitivos. A primeira reunião
apostólica foi para eleger o substituto de Judas. (At 1.12-26). Depois, com
toda a Igreja, os apóstolos se reuniram sob a liderança de Tiago, o irmão do
Senhor, que era bispo de Jerusalém, a sé da Igreja Primitiva, para definirem as
regras de fé para os cristãos de origem não judaica. Desse concílio saiu uma
carta assinada por todos os apóstolos que deveria ser lida pelos missionários
(apóstolos) nas igrejas por onde passassem. Esse concílio foi realizado por
volta dos anos 49 a 51 d.C. a pedido de Paulo, o apóstolo dos gentios
registrado em At 15. Paulo pediu que fosse decidido o que deveria ser exigido
dos gentios como regra de fé que caracterizasse o salvo em Cristo. Foi decidido
que os cristãos não estão sujeitos a nenhum ritual judaico. Depois, com essa
decisão, Paulo ensina que “ninguém faça para vocês leis sobre o que devem comer ou
beber, ou sobre os dias santos, e a Festa da Lua Nova, e o sábado.”
(Cl 3.13,16). A carta aos Gálatas é integralmente uma refutação a presença de
rituais judaicos no culto cristão.
Com essa liberdade dos rituais em mente, os cristãos
gentios (não judeus) começaram a achar que, agora, então, poderiam fazer tudo em
nome da liberdade. Porém, Paulo explica que essa liberdade da lei de Moisés não
significa fazer tudo que quiser. (Gl 5.13-26) Embora seja livre do “não toque”
do farisaísmo judeu (Cl 2.21), o cristão está preso pela lei de Cristo, a qual
é diferente do pagão (não cristão), o que implica em ter vida moral de alto
padrão, com a vida controlada, sem vícios, sem imoralidades, livre de farras,
bebedeiras e tantas outras coisas que caracterizam a vida sem Deus. Essas
listas são comuns nas cartas de Paulo. (Rm 13.13,14; 1Co 6.9-11; Gl 5.19-21; Ef
4 – 5).
A alta sociedade romana praticava o homossexualismo
e outras coisas que consideravam normais. Não era incomum. Os cristãos judeus,
em Roma, queriam continuar observando o dia de culto no sábado, praticando
dietas alimentares e observando “dias santos” do judaísmo. Os gentios naquela
cidade tinham muitas dúvidas sobre essas práticas pagãs e judaicas. Paulo,
então, escreve a carta aos Romanos. Nos capítulos 1 a 2 mostra a realidade da
Queda federativa em Adão de toda a raça humana, bem como a graça de Deus em dar
a salvação por meio de Jesus Cristo. (Rm 3 – 11).
Após tratar detalhadamente sobre essa questão
do pecado e da salvação em Cristo, quer de judeu, quer de gentio (todos são
iguais para Deus), Paulo dedica um capítulo inteiro de sua epístola para tratar
de “questões de fé individual”, ou seja, de determinados rituais judaicos que
alguns insistiam em querer praticar. Nesse quesito, ele esclarece que o cristão
não deve condenar quem quer fazer, mas também não deve fazer em dúvida. (Rm 14)
Logo, Paulo estava dizendo aos cristãos em Roma que sobre dias santos ou dia de
culto não deve haver motivo para separação entre os irmãos, desde que essas
práticas não sejam impostas como obrigação para ser salvo, pois a salvação é
exclusivamente pela fé, sem as obras da lei. (Rm 3.20; Ef 2.8-10)
Portanto, o cristão nascido de novo não pratica
nenhuma obra da lei judaica, pois foi livre desse jugo por Cristo. (Cl 2.13-16)
O cristão verdadeiramente consciente da obra redentora de Jesus vive a nova
vida sem as práticas pagãs de imoralidades sexuais, sem farras ou bebedeiras.
(2Co 5.17; Ef 4 -5) O cristão de fato nascido de novo vive de tal forma que
respeita a fé dos outros, daqueles que acham que devem praticar determinados
rituais, guardar dias santos (especiais), sem criticá-los. Porém, sua liberdade
não é absoluta, pois mesmo que tenha maturidade para fazer determinadas coisas,
deixará, muitas vezes de praticá-las a fim de não causar a queda de irmãos mais
fracos na fé (Rm 14.13-16), nem para aqueles que ainda não creem (1Co 10.32),
nem para a sociedade como um todo. (1Co 6.12,13) Quem age assim, atingiu a
maturidade na fé e saberá discernir o que é espiritual daquilo que é apenas
costume social, sem qualquer relação com os aspectos de fé, e estará sempre bem
preparado para dar resposta bíblico-teológica correta a todo que o procurar com
dúvidas, para com amor e respeito, iluminar sua mente com a Palavra da Verdade.
(1Co 2.10-14; 1Pe 3.15)
Sem
legalismo. Sem fanatismo. Sem mundanismo!
Soli
Deo Gloria
Pr Francisco Pinto, V. D. M.
Referências